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23 abr 2024

Acumulando centímetros de experiência

Por Reinaldo Polito*

Abdalla foi um profeta dos novos tempos. Sua  melhor aula como professor de microeconomia não teve nada a ver diretamente com os conceitos microeconômicos. Ele passou toda  primeira aula do curso explicando porque ninguém deveria trabalhar mais de três anos numa mesma empresa. Sua filosofia era bastante simples: se você trabalhar três anos numa empresa vai aprender dez centímetros, se ficar mais três anos vai passar de dez para doze. Mudando de empresa, com mais três anos você vai aprender mais dez, isto é, oito a mais do que se tivesse permanecido na primeira.

Houve uma época em que trabalhar muito tempo numa empresa era um tremendo orgulho para o empregado. Como professor peguei o rabinho desse momento, convivendo com alguns poucos remanescentes da fase pré-FGTS. Eu me lembro que nessa época durante os cursos de expressão verbal in company que ministrava, pedia que todos se apresentassem, e o tempo de casa parece que fazia parte do nome: meu nome é José Carlos da Silva, estou na companhia há 25 anos e ocupo a função de gerente financeiro. Quando alguém dizia que estava, por exemplo, trabalhando na firma só há 12 anos, era olhado de cima para baixo, como se os outros quisessem dizer – esse aí ainda nem tirou as fraldas, tem longa estrada pela frente e muito para aprender. Era uma história com começo, meio e fim – arrumava um emprego, permanecia fiel a mesma empresa até se aposentar, recebia um belíssimo relógio de ouro e ia viver seus últimos dias passeando na pracinha.

Está certo que a ordem hoje é estar sempre pronto para mudança, mas alguns levaram essa regra ao pé da letra, caíram no exagero e nem chegam a esquentar a cadeira. Há pouco tempo precisei contratar uma nova funcionária e analisei cuidadosamente o currículo de uma moça indicada por um conhecido. Sua trajetória profissional me deixou espantado – três meses numa empresa, cinco na seguinte, dois na última. O maior tempo de permanência foi de nove meses. Refleti bastante e me lembrei do Abdalla, imaginando o que ele diria diante de uma situação extrema como essa. Se não estou ficando maluco, me pareceu ter ouvido um debochado sussurro do inesquecível mestre: somando tudo não chega a dois centímetros, Polito.

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