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24 abr 2024

Ainda bem que não incluíam a Ferroviária

   Por Reinaldo Polito*

Na década de 60, em Araraquara,  só era possível sintonizar a extinta TV Tupi.Eram poucas as famílias privilegiadas que tinham um aparelho de tv em casa. Assim, era comum receberem a visita de parentes, amigos e vizinhos para assistirem aos programas transmitidos em preto e branco. Lembro-me muito bem da interminável novela “O direito de nascer”, que tinha como artistas principais Guy Loup, que interpretava Isabel Cristina e Hamilton Fernandes, no papel de Albertinho Limonta. Era uma febre, pois pouco antes do início da novela as pessoas chegavam carregando sua própria cadeira até à casa de quem tinha tv. Um momento de lazer aguardado ansiosamente o dia todo.  E como curiosidade pessoal, mais de 20 anos depois de terminada a novela, para minha surpresa e emoção, recebi como aluna no Curso de Expressão Verbal aquela que havia sido meu ídolo na infância, Guy Loup.

Nessa época, o que mais me encantava, entretanto, eram as transmissões esportivas do Walter Abraão com as reportagens de campo do Ely Coimbra. Reuníamo-nos na casa do Luiz Alberto Cabau (que era um dos que tinha tv), eu, o Marco Antonio Campos Rodrigues, que hoje, entre outras funções importantes na TV Globo, é um dos debatedores no programa comandado pelo Cleber Machado, Arena Sportv, e o próprio Luiz, para assistirmos as transmissões dos jogos de futebol. Nós, que gostávamos tanto desse esporte, aprendemos, ainda meninos, que havia um jogo no campo e outro diferente  na televisão. A falta da emoção provocada pela ausência da torcida, era compensada pela entonação da voz do narrador. Até hoje estão vivas em minha mente algumas expressões que se transformaram em marcas registradas nas transmissões do Walter Abraão – “Ele”, para se referir ao Pelé quando o craque pegava na bola, como se fosse uma divindade; e “OXO”, para dizer que o jogo continuava zero a zero, provavelmente uma associação com a palavra “chocho”, para lembrar que sem gols o jogo não tinha muita graça. As intervenções do Ely Coimbra eram mais uma aula. Ele repetia toda a seqüência da jogada adicionando alguns detalhes que não haviam sido narrados pelo Walter Abraão, e falava com tanta emoção que dava a impressão de a cena estar ocorrendo novamente. Eu nunca os havia visto, tanto que só muito tempo depois é que descobri que o Walter Abraão usava óculos de aros pretos e era calvo, mas os considerava como velhos amigos, sendo mesmo capaz de adivinhar o comentário que eles fariam depois de uma jogada.Terminado o jogo ficávamos os três até altas horas da noite, ainda envolvidos pela emoção do jogo, discutindo os lances mais importantes da partida. Só mais uma curiosidade pessoal, também mais de 20 anos depois, por interferência do saudoso amigo Blota Júnior, recebi como aluno o filho do Ely Coimbra, também chamado Ely, e pude assim conviver por algum tempo com aquele outro velho ídolo, que, por causa do filho, freqüentou a nossa escola e participou fazendo discurso na solenidade de formatura.

Embora a sociedade brasileira e mundial seja marcada pelas transformações ocorridas nos anos 60, considerando aí as revoluções políticas e de costumes, já incluídos os movimentos de liberação sexual, da mulher e do homem, a verdade é que apesar de tudo a vida era mais calma. E essa tranqüilidade se refletia nas transmissões esportivas. Essa calma era reproduzida com maior evidência ainda nas transmissões feitas pelo cinema, no documentário “Canal 100”. Quase todas as jogadas eram vistas no detalhe em câmera lenta e em filme colorido, um exagero para quem nem possuía tv preto e branco. Mesmo tendo um timaço como a Ferroviária, nós araraquarenses não tínhamos vez, pois só passavam jogos cariocas. E quando incluíam um paulista sempre era um time da capital. Ainda bem que nunca era a Ferroviária, pois esses paulistas que eram incluídos, só entravam no Canal 100 porque haviam levado uma boa sova de um carioca.

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