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04 mar 2018

Não atropele a gramática ao falar

Você fala “fazem três anos” ou “faz três anos”? “Éramos em cinco” ou “Éramos cinco”?

Pois é, deslizes primários como esses podem jogar por terra uma carreira profissional construída durante uma vida inteira com muito sacrifício. Vale a pena dar uma olhada em algumas questões gramaticais que podem ser aperfeiçoadas até com facilidade.

Não sou professor de Português. Não me sinto qualificado para exercer essa atividade tão complexa, difícil e desafiante.

Por outro lado, por sorte, tenho grandes amigos que são craques no ensino da nossa língua, como o Professor Pasquale Cipro Neto, um dos mais competentes mestres nessa matéria em todo o país e a Professora Edna Barian Perrotti, autora do excelente Superdicas para escrever bem diferentes tipos de texto. Sempre que tenho dúvidas recorro a eles.

Tive bons professores de Português e aprendi muito também com os revisores dos meus livros. Tenho todas as revisões bem guardadas. Quando recebia meus originais “rabiscados” pela revisão da editora, mandava encadernar para usar como fonte de consulta. Como já escrevi 15 livros, deu para formar uma boa biblioteca com esse material.

É muito difícil escrever um texto sem dar pelo menos uma escorregadela. De vez em quando escapa uma daquelas bem caprichadas. Esses deslizes quase nunca passam despercebidos, pois conto também com a ajuda dos leitores, que sempre me alertam para as incorreções nos artigos.

Talvez, no final, você me mande um e-mail perguntando: Polito, esse erro que encontrei no seu texto não faz parte da “coleção de livros que você mandou encadernar”? Tomara que esse fato não ocorra. Mas, se o erro aparecer, vamos rir juntos.

Entretanto, vou deixar a preocupação gramatical com textos escritos para os meus amigos professores de Português e perambular por uma praia que me é mais familiar: a importância das regras gramaticais na comunicação oral.

Você poderia questionar: Mas as regras gramaticais não são as mesmas para falar e para escrever? Sim. E não. Citando novamente o Professor Pasquale, a comparação que ele faz da língua com as roupas do nosso armário é ótima para esclarecer a importância da adequação da nossa linguagem.

Temos roupas diferentes para as mais diversas ocasiões, e usamos uma ou outra dependendo da circunstância.

Com a língua não é diferente. Se tivermos de apresentar um projeto acadêmico, a linguagem deverá ser própria para a academia. Se fizermos uma exposição na empresa, os termos do mundo corporativo serão os mais apropriados. Se estivermos conversando com um grupo de amigos, a comunicação solta, do cotidiano, sem muita preocupação com acertos ou desvios gramaticais é a mais indicada.

Podemos ter o mesmo raciocínio também quando nos referimos à gramática para a comunicação escrita e para a oral .

Se cometermos um ou outro pecado lingüístico na comunicação falada, provavelmente não seremos encaminhados para o cadafalso. Entretanto, um deslize na comunicação escrita não será visto com a mesma benevolência, já que houve condições para ler, reler e providenciar as correções.

Mesmo assim, descuidos grosseiros na comunicação oral podem ser um desastre para a imagem e a reputação de uma pessoa. É um sinal  evidente da sua falta de formação e de preparo. Uma indicação explícita de que houve uma lacuna no seu processo de educação.

Há uma corrente de estudiosos que pensa de forma diferente. Julgam que essa preocupação não passa de perfumaria. Não concordo. Mas, como são autoridades nesse tema, preciso mencionar esse ângulo distinto da questão.

Ao longo dos anos notei um fato curioso com a comunicação dos meus alunos: alguns negligenciam as regras gramaticais quando falam, mas não quando escrevem. O nervosismo, a pressão de estar diante do público, a ansiedade são fatores que tiram a tranqüilidade e podem predispor ao erro.

Com base nessas observações colecionei os deslizes gramaticais mais freqüentes na comunicação oral. Como são incorreções muito evidentes  e facilmente identificadas, não custa nada fazer uma avaliação para constatar se você, até por descuido, não está cometendo alguns desses deslizes.

 

  1. “Fazem muitos anos” que este erro ocupa o primeiro lugar no pódio
    Não é conveniente , por exemplo, dizer “fazem três anos, fazem muitos anos”.

A explicação para essa questão gramatical é simples. Quando o verbo “fazer” se refere a tempo, ou indica fenômenos da natureza deve permanecer na terceira pessoa do singular, porque é impessoal, não tem sujeito e, por isso, não pode ser flexionado.

Portanto, mais apropriado seria dizer:

Faz três anos que ocupo o cargo de diretor na empresa. Faz oito  meses que parei de fumar.

A mesma regra pode ser aplicada para o verbo haver quando usado no sentido de existir, como por exemplo: Havia manchas em todas as roupas – e não: “haviam manchas em todas as roupas”. Houve comentários favoráveis à proposta – e não: “houveram”.

  1. A segunda posição vai para haja visto
    De acordo com as minhas anotações, o segundo deslize gramatical de maior incidência na comunicação oral é o uso de “haja visto” no lugar de “haja vista”.
    A expressão haja vista não varia, pois sua formação ocorre com a terceira pessoa do imperativo do verbo haver acrescida de vista, um substantivo feminino.
    Exemplo: Haja vista as notícias de corrupção estampadas nos jornais.
  2. Mim tem presença garantida no pódio
    Explique melhor “para mim entender”.O terceiro deslize gramatical mais freqüente na comunicação oral possui uma peculiaridade bastante curiosa: a maioria que desconsidera essa regra sabe como deveria falar, mas o hábito é tão automatizado que quando as pessoas se dão conta já escapou.

É mais fácil entender do que pôr em prática. O “eu” deve ser usado antes do verbo porque neste caso ele funciona como sujeito do infinitivo. Só se usa o “mim” quando não houver um verbo depois do “para”, como neste exemplo: Ele trouxe a roupa para mim.

Também em casos em que se completa o sentido de adjetivos, como difícil e impossível, o certo é para mim, porque já não haverá sujeito.
Está difícil para mim aceitar esse acordo com os fornecedores.
É quase impossível para mim manter esse nível de produção.

Como eu disse, essa é uma questão delicada. Se você for uma das vítimas dela, arregace as mangas para uma longa contenda, pois dá trabalho se livrar de um erro que participa naturalmente da comunicação.

  1. A pessoa fica “meia chateada” quando comete esse erro
    E é para ficar mesmo, pois se há uma incorreção que tira uma pessoa do pedestal é usar meia no lugar de meio quando se referir a um adjetivo.

Neste caso, quando equivale a mais ou menos, um pouco, meio é um advérbio e por isso não pode variar.
Portanto, esse erro de gramática deixa a imagem da pessoa meio prejudicada, e não meia prejudicada.

 

Lembre-se de que meia só é usado quando equivale a metade: meia garrafa, meia carga…

  1. Quando ele vir ao seu encontro vai ser uma tristeza!
    Esse erro puxa o tapete das pessoas o tempo todo. É impressionante como confundem o verbo vir com o verbo ver no futuro do subjuntivo (precedido de se ou quando).

Para não errar, lembre-se de que o verbo vir exige a forma vier. “Quando ele vier para o trabalho…” – e não: Quando ele vir… “Se os jogares vierem para o treino…”  – e não: Se os jogadores virem…

Por outro lado, o verbo ver exige a forma vir. Assim sendo, devemos usar: “Quando a professora vir o aluno” – e não: “Quando a professora ver o aluno”. “Se os consultores virem o diagnóstico” – e não: “Se os consultores verem…”

  1. Há diferença entre “ir de encontro a” e “ir ao encontro de”
    É bastante comum confundirem o significado de “ir ao encontro de” com o de “ir de encontro a”. “Ir ao encontro de” significa estar a favor, concordar, comungar da mesma opinião. Enquanto “ir de encontro a” significa estar contra, discordar, não partilhar a mesma opinião.

Por esse motivo, diga:

As decisões foram ao encontro dos nossos interesses (a favor).
As medidas governamentais não podem ir de encontro às necessidades da população (contra).

  1. Muitas incorreções gramaticais, menas essa
    Essa não dá nem para comentar.
    Em todo caso, lá vai uma explicação rápida e resumida – menos é palavra invariável, portanto não existe a palavra menas, por mais feminino que seja o substantivo.
  2. Aqui no final, algumas rapidinhas que podem ser perigosas

Há cinco anos atrás é redundância
Ou você usa há cinco anos, ou cinco anos atrás, mas não há cinco anos atrás.

Um plus a mais também
Plus é um advérbio de origem latina que significa mais. Portanto, pare nele, sem o a mais.

Não troque nenhum por qualquer

Não use qualquer em orações negativas no lugar de nenhum.
Assim, diga: Não temos nenhuma chance de perdoá-lo – e não: Não temos qualquer chance de perdoá-lo.

Apesar de ser título de livro famoso, ainda continuam dizendo éramos em seis no lugar de éramos seis
Não use a preposição em entre o verbo e o numeral. Diga: Éramos cinco, íamos quatro no trem. E não: Éramos em cinco, íamos em quatro no trem.

Ele está a par ou ao par?
As informações são diferentes. A par significa informado, ciente e é uma expressão usada com o verbo estar. Por exemplo: Não estava a par do que ocorrera.
Ao par, por sua vez, significa título ou moeda do mesmo valor. Por exemplo: Com as últimas medidas tomadas pelos ministros, o câmbio ficará ao par.

E, só para lembrar, devemos pronunciar:
Canhota (nhó), clitóris (tó), fluido (úi), gratuito (úi), ibero (bé), ínterim (ín), Nobel (bél), rubrica (brí), ruim (ím).

Deixei aqui apenas algumas pílulas de uma lista que cabe confortavelmente em um livro. O objetivo deste texto foi o de chamar a atenção para o cuidado que devemos ter com algumas questões gramaticais que poderiam ser corrigidas com um pouco de observação e prática.

Se você não comete nenhum desses erros, parabéns. Agora, se percebeu que precisa de aprimoramento, comece já a estudar. É um aprendizado valioso para a vida toda.

Superdicas da semana

– Elimine erros gramaticais grosseiros para falar ou escrever

– Tenha sempre à mão uma boa gramática da língua portuguesa

– Aprenda a consultar corretamente os dicionários

– O corretor do computador alerta para alguns erros de gramática

– Entretanto, cuidado para não aceitar todas as sugestões sem análise

 

Livro de minha autoria que trata desse tema: “Um jeito bom de falar bem”, publicado pela Editora Saraiva.

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