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29 mar 2024

O presente do passado

Se não fosse o dono da bola, Fidel não participaria do time da nossa rua lá em Araraquara.Sempre que se aproximava alguém chegado numa verborragia, meu amigo Edélcio Margonar, um tremendo gozador, se voltava de costas, disfarçava olhando para cima e sussurrava entre os dentes: cuidado que esse é perigoso. A brincadeira pegou e se transformou numa espécie de código – era só aparecer um falador que alguém do grupo comentava: esse é perigoso. Hoje, distante desses amigos de infância, não tenho mais com quem usar o código de alerta, mas, assim que vislumbro um tagarela me lembro da reação da garotada e falo com meus pensamentos: ah, esse lá na minha rua ficaria na regra três!

Entretanto, nada como a vida e os bons professores para nos mostrar um novo caminho a percorrer. Há poucos dias eu estava muito ansioso. Quase 30 anos depois de ter sido seu aluno, iria levar Oswaldo Melantonio, o melhor e mais importante professor que conheci em toda a vida, para ver minha escola pela primeira vez. Só para você ter idéia de quem se trata, basta dizer que ele foi o principal professor de comunicação verbal do Brasil durante 50 anos e introduziu em nosso país o uso do videoteipe como recurso didático. No final da visita levei-o para conhecer um querido amigo, outro Osvaldo, Osvaldo Marchesi, um gênio da publicidade. Eu só não sabia que aquela visita me proporcionaria uma nova aula com o antigo mestre e me faria reconsiderar o conceito que havia desenvolvido nas brincadeiras de infância sobre o perigoso.
Chegamos para almoçar por volta de meio dia e, por incrível que pareça, ele conseguiu de maneira simpática e envolvente prender nossa atenção conversando e contando histórias cativantes e arrancando gostosas risadas de todos por mais de seis horas. Quando olhamos para o relógio pela primeira vez já passávamos das seis da tarde. Eu que tenho me dedicado ao longo das últimas décadas ao estudo e ao ensino da comunicação tive naquele dia um dos maiores ensinamentos que poderia aspirar.

Assim que chegou, em poucos minutos, com a perspicácia dos seus 80 anos, ele já havia descoberto quais os assuntos que interessavam a cada um e, com muita habilidade, desenvolveu todos seus temas prediletos voltados para o gosto dos ouvintes. Quando, por exemplo, contava sua trajetória como líder dos movimentos socialistas no Brasil, dirigia-se ao Júnior, filho do meu amigo e alertava: essa história vai ser importante para você. E com naturalidade associava a política aos conceitos da psicologia, da publicidade ou da maçonaria, que eram os temas preferidos do jovem publicitário. Quando falava das personagens da história brasileira, voltava-se para o meu amigo e chamava sua atenção para os sentimentos de cada uma delas, pois esse tipo de comentário era o que motivava o anfitrião. Quando falava das aulas de oratória que havia ministrado nas principais cidades da América Latina, ligava suas lições à “qualidade insuperável da minha escola” e, evidentemente, me escravizava. O mais curioso é que durante aquele encontro ele praticamente falou sozinho e, no final, todos, sem exceção, comentaram que tinha sido uma das conversas mais agradáveis de que participaram.
Que aula! Se associarmos nossos temas ao interesse e ao conhecimento dos ouvintes, especialmente nas conversas sociais, teremos o tempo todo pessoas interessadas em nos ouvir e, mesmo que viéssemos a freqüentar a turminha do Edélcio Margonar, não correríamos o risco de ser rotulados de perigosos. Obrigado professor Oswaldo Melantonio por mais essa extraordinária aula de comunicação. Daqui para frente, além de usar esses ensinamentos em minhas conversas, também terei mais uma aula prontinha para os novos alunos. Aliás, sem demora, já comecei por este texto.

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